terça-feira, 31 de maio de 2011

Antes tarde.

Mas que filho da puta era aquele cachorro! O dia deixou de ser aquela manhã maravilhosa, ensolarada. Prontamente esqueci a melodia que assobiava - e era bonita. A moça também bonita passou pela mesma calçada. Lançou pra mim nem meio olhar. Caso lançasse, esbarraria em suor na testa, espinhas bem distribuídas e uma barba mal feita.

Que cachorro escroto! A tarde caiu lenta, quente, pesada. Sem ventos daqueles soprados no rosto por Deus. Chuva, essa sim, poderia cair: ou temporal, de destruir cidades, ou chuvinha fina e contínua, chata, sem graça. Tarde sem solução.

Nem adiantou o sol ir embora e levar com ele a assustadora clareza dos objetos, das pessoas, dos bichos. A lua chegou feia, carcomida. Pizza até chegou, mas fria. Sem torresmo. Dar uma volta no quarteirão aliviaria, não fosse o óbvio, o assalto, o revólver. Dinheiro não havia, dei adeus ao celular. Se não fosse a porra do vira-lata...

Dizem que a polícia de Pequim, em certo inverno chinês, diante de tanta fodelança de cachorros de rua, adotou uma tática justa. Cada policial foi municiado de um pedaço de pau, e incumbido de matar cães. Quem houver de duvidar, que procure as fotos nas redações dos jornais: chineses raivosos com paus em riste.

Estava muito bom aquele dia. No entanto, ao meio-dia, o cachorro cismou de latir.


segunda-feira, 30 de maio de 2011

Boteco em Níu-Orlím


Encontrei com Woody Allen
num boteco em Níu-Orlím.
Nome besta! nem parece
que por lá tem butiquim!

Tava ele e seu whisky
Eu, com asco, disse assim:
Toca um jazz pra nós, seu Woody
que o som tá bem ruim...

E pega o sax! só que logo
que meteu a boca lá
alguém grita: - ai ui! ai ui!
e desembesta a gritar

Grita seis segundos mais
e por cinco soa o sax;
já por quatro alguém gritava:
- que sujeito incapaz!
Se toca assim tão mal
pergunto: porque que traz?

Mas, malandro metido a besta
estraga com qualquer festa
E esse tal de whisky bosta
garanto, só traz moléstia
bebo: já fico torto
os óio oiando a testa

mas tô vivo enquanto escuto o som
porque se vida após a morte é bom
eu juro: ainda prefiro esta...

eu, torto, ôiava as coisa:
e as coisa ôiava pra mim,
mas dava pra ver direito
o Woody e o sujeitim.

brigava, os dois, de soco
de pancada e de xingão
e, quando cansava a mão
usava as perna um poco

e até que, lá de fora
uma sirene se escuta
e, rápido, sem demora
fugiu os feladaputa!

o polícia entrou já tenso
the police! - disse assim
já tinha fugido todos
e botaro a culpa em mim.

É por isso que cu de bêbado
não tem um dono: tem dez!
Por aqui termina a história
E aqui jaz eu e o jazz.


Motivos...

Procurei na net pelo meu antigo blog (de 2002) e colo aqui trechos do texto inicial:

"Sempre achei os blogs idiotas, e continuo achando. Porém, é uma maneira de se 'publicar' o que se pensa, e preciso de vaga pra pensamentos novos cá no cérebro. Vou então liberando os antigos aos poucos, os que tenho a cada momento. Vamos ver como fica isso tudo conforme vou escrevendo... Deus me acuda lá, que eu me acudo cá. 'Si um deus morrer, vou no Piauí buscar outro' (Mário de Andrade). É o que pretendo fazer.... Por enquanto fico por aqui, sem mais considerações por enquanto. Talvez posteriormente. 'Viva alguns enganos'."

Sem mais palavras
, concordo muito comigo mesmo. E acho a maior graça que esse cara de 29 concorde com esse moleque de 20 anos.

Amanhã tem mais.

domingo, 29 de maio de 2011

Naqueles tempos...

Diz sim, diz não: se vale da ausência de luz para reverberar sua arte. Caminha um pouco e tropeça. No escuro é assim. Que pena! não vê um palmo à sua frente. Não sabe, portanto, se o que sai de suas mãos é guerra ou arte. Não enxerga as quatro paredes que lhe cercam. Confunde uma balsa de guerra com uma valsa de amor: os acordes são os mesmos. Caminha, entretanto. Navega sem rumo. Segue a melodia, mas estranha as dissonâncias. Alguém grita: "É assim mesmo". Acredita pela metade. Exatamente do meio do silêncio - revolucionário silêncio - um click: se ofusca com o barulho do interruptor. De assalto, tomado pelo susto, grita. Quase ninguém escuta, e alguém quase responde. Até comemora, e elabora uma outra frase pra dizer. Não chega a dizê-la, mas chega a ouvi-la - e dói. Outro click e pronto: o silêncio. De novo. Algo lhe alveja a cabeça. Não sabe bem o que é. Agora alguém grita. Sangrando, quase ouve: "é guerra". Aceita, matuta e responde: "é arte". Sem dó, puxa o gatilho, aponta pro inimigo, e vê, bem próximo, o barulho hediondo de seu projétil: é o veromíssil.